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Comer ovo cura a ressaca?

20 Jan 2024 - 10:19
falso

Comer ovo cura a ressaca?

Acordar com ressaca depois de uma noite com excessos pode estragar o dia. A intensidade da ressaca pode variar de pessoa para pessoa, mas, nas redes sociais, alega-se que existe uma “cura perfeita” para este problema: o ovo.

Numa das publicações alega-se que “comer ovo, antes e depois do consumo excessivo de álcool, ajuda a combater a ressaca”. Noutro post, pode ler-se que “o alto nível de cisteína e aminoácidos” existentes no ovo “ajudam a diminuir o etanal, a principal causa das ressacas”.

A cisteína é um aminoácido essencial na metabolização dos componentes tóxicos do álcool e que potencia a sua eliminação através da urina. Mas será mesmo verdade que comer ovo cura a ressaca?

É verdade que comer ovo cura a ressaca?

A resposta a esta pergunta é não. Comer um ou mais ovos não vai curar a ressaca do álcool. No entanto, este alimento – em conjunto com outros alimentos saudáveis – pode, eventualmente, ajudar a que se sinta melhor depois de uma noite de excessos.

O psiquiatra João Marques, vice-presidente da secção de Psiquiatria da Adição na Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e membro da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, explica ao Viral que, a confirmar-se o efeito da cisteína na redução da ressaca, seria necessário ingerir uma quantidade muito elevada deste aminoácido – muito mais do que a que existe num ovo.

“No plano teórico, este aminoácido parece ajudar a diminuir os sintomas da ressaca, mas, na prática, a quantidade que existe no ovo é muito pequena”, esclarece o especialista em adições. E remata: “Não é com um ovo que se vai curar a ressaca.”

Um estudo, publicado em 2020, analisou qual o resultado da administração de comprimidos com substância ativa de cisteína nos sintomas da ressaca, nomeadamente náuseas, dores de cabeça, stress e ansiedade. 

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Os investigadores concluíram, através de um ensaio clínico randomizado e com grupo de controlo, que a administração de um comprimido com 1.200 mg de cisteína teria efeitos na redução das náuseas e dores de cabeça, enquanto uma dosagem menor (600mg) parece ajudar a reduzir o stress e a ansiedade.

No entanto, este estudo foi questionado por um grupo de investigadores que afirma haver limitações nesta investigação que não foram tidas em conta pelos seus autores, nomeadamente a confusão entre “análise correlativa” e “eficácia” da cisteína no tratamento ou prevenção da ressaca.

Estes investigadores adiantam ainda que os autores do estudo se apoiaram “na sua crença de que os efeitos da cisteína só poderiam ser numa direção positiva”, quando, “em teoria, o tratamento também pode ser ineficaz ou agravar a gravidade da ressaca”.

“Contrariamente ao título e às conclusões dos autores, a cisteína não teve efeito significativo na gravidade da ressaca alcoólica. Esses resultados são consistentes com as descobertas de um estudo recente (Scholey et al., 2020) que não conseguiu encontrar diferenças significativas entre L-cisteína (650 mg) e placebo na gravidade da ressaca”, pode ainda ler-se na resposta ao artigo.

O estudo realizado por Scholey et al. analisou o impacto de um putativo tratamento para as ressacas, apelidado “Rapid Recovery”. Este fármaco é administrado por via oral (cápsula) e tem na sua composição cisteína e vitaminas do complexo B e C. 

As conclusões dos autores referem “não houve diferenças significativas entre o placebo e o Rapid Recover na autoavaliação da gravidade geral da ressaca” ou em qualquer um dos níveis avaliados.

Além das dúvidas perante a eficácia da cisteína, João Marques relembra que “a quantidade existente no ovo é mínima”. “Não podemos dizer que se comermos ovo vai reduzir a ressaca”, reforça o psiquiatra.

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Por que razão surge a ressaca e como tratar?

Quando se ingere bebidas alcoólicas, o álcool (ou etanol) vai ser metabolizado no fígado, transformando-se em acetaldeído – um composto que é tóxico e, por isso, tem de ser rapidamente eliminado do organismo. 

Contudo, se for ingerida uma quantidade grande num curto espaço de tempo ou a pessoa não se tiver alimentado devidamente (o que acelera a absorção), a expulsão do acetaldeído pode não ser suficientemente rápida para evitar o efeito tóxico.

O acetaldeído pode provocar vómitos, lentidão de pensamento, tonturas, dores de cabeça, os sintomas que são normalmente associados ao estado de embriaguez e também de ressaca. No dia seguinte, é provável que o indivíduo apresente níveis de desidratação e uma baixa dos níveis de glicose.

Apesar de não haver soluções milagrosas para curar a ressaca, há hábitos que podem ajudar: a ingestão de alimentos saudáveis – como a fruta, os legumes e, também, o ovo – e uma adequada ingestão de água são fatores que podem contribuir para uma recuperação mais rápida. 

“Se no dia a seguir à ingestão de álcool, a pessoa se alimentar, beber líquidos não alcoólicos (água, sumos, chá) e comer alimentos saudáveis (vegetais, frutos, alimentos não processados, que não sejam fritos, que sejam interessantes do ponto de vista nutricional) conseguirá compensar um pouco os efeitos da bebida”, acrescenta o psiquiatra.

Estes alimentos, principalmente os que são ricos em antioxidantes, poderão ter um efeito reparador do organismo, atuando em particular no rejuvenescimento, equilíbrio e recuperação das células, que sofreram oxidação por ação do álcool.

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João Marques sublinha que é por essa razão que “muitos doentes com perturbação do uso de álcool tomam regularmente suplementos vitamínicos, ajudam a equilibrar o processo metabólico que o álcool vai desregular”.

Para quem procura uma solução para a ressaca, o especialista tem um conselho: “A ressaca cura-se não bebendo álcool.

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20 Jan 2024 - 10:19

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